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#314 Os Experimentos de Libet e Determinismo

May 16, 2015
Q

Caro Prof. Craig,

O que o Experimento de Libet indica sobre o livre arbítrio?

Em 1979, um cientista norte-americano, Libet, realizou um experimento que envolvia uma medição da atividade do cérebro durante um processo de tomada de decisão controlado para compreender melhor as relações entre os fenômenos neurológicos (físicos) e a atividade da vontade.

A observação foi que:

1. A atividade do cérebro ocorre depois de um atraso;

2. A pessoa estáciente de que a decisão passou a ser feita depois de um atraso (para o corpo reagir);

3. A decisão é feita.

O atraso entre (2) e (3) pode ser explicado simplesmente por atrasos de transmissão do cérebro para o corpo. De interesse é o atraso entre (1) e (2).

Alguns (neurobiólogos) alegam que a diferença entre (1) e (2) demonstra que o cérebro faz a decisão e então a pessoa experimenta a decisão (e simplesmente associa a decisão a sua própria ação livre, em oposição à do corpo).

Mas algumas coisas não parecem (para mim) em ordem aqui. Por exemplo:

a. (2) simplesmente marca quando a pessoa está em outro nível de consciência, por assim dizer, consciente de sua decisão. Mas tomar uma decisão e se conscientizar da mesma são, prima facie, fenômenos distintos e, portanto, não deveriam ser assumidos como ocorrendo simultaneamente. A fim de desmentir que uma decisão tenha ocorrido com livre-arbítrio, parece que alguém teria que derrubar essas duas noções.

b. Suponha agora, que tomadas de decisão e de sensibilização para a mesma fossem ocorrer simultaneamente. O chamado "potencial de prontidão" em (1) é apenas medido no tempo em uma pequena vizinhança da atividade. Será que este potencial de prontidão tem picos regulares, e que este seja simplesmente um fenômeno regular que coloca a pessoa em um estado para tomar uma decisão? Neste caso, a compatibilidade do livre-arbítrio e esta atividade do cérebro antecipando são perfeitamente compatíveis.

Colocando minhas objeções de lado, eu realmente gostaria de ouvir a sua opinião profissional sobre isso.

* A existência do livre-arbítrio é um dos problemas mais profundos e difíceis em a Filosofia/Ciência. Se esse problema fosse resolvido, e o experimento de Libet fosse mostrar conclusivamente que a tomada de decisão humana não é livre, mas determinada, então haveria consenso. Existe consenso sobre a interpretação das observações no experimento de Libet? Existe consenso sobre o problema do Livre-Arbítrio?

* O que é possível indicar das observações do experimento de Libet?

Finalmente,

* Alguns simplesmente tomam a abordagem de redefinir o livre-arbítrio como um fenômeno, onde embora a decisão seja determinada, a sua causa é realmente a pessoa que toma a decisão. Desta forma, o determinismo não seria um problema para o livre arbítrio - e sim a definição de livre-arbítrio poderia ser repensada. O que você acha dessa abordagem?

Obrigado pela leitura e obrigado por seu trabalho!

Felicidades,

Raj

Estados Unidos

  • United States

Dr. Craig

Dr. craig’s response


A [

Apesar de que a Filosofia da Mente não é uma das minhas áreas de especialização, Raj, de modo que eu costumo encaminhar perguntas como a sua para o trabalho daqueles que se especializam, como o meu colega J.P. Moreland, já que os experimento de Libet desempenham um papel tão fundamental na defesa do naturalismo de Alex Rosenberg, eu bisbilhotei os resultados fascinantes de Libet em preparação para o meu debate com Rosenberg.

Em primeiro lugar, vamos colocar com precisão o que Benjamin Libet descobriu, já que a sua declaração dos três eventos ou fases na execução de uma decisão é um pouco desleixada e, portanto, potencialmente confusa. Nos experimentos iniciais de Libet as pessoas foram instruídas a pressionar um botão com um de seus dedos enquanto ele monitorava sua atividade cerebral. Libet descobriu que antes da consciência de uma pessoa de sua decisão de pressionar o botão, um sinal do cérebro já havia ocorrido o que resultou em seu dedo mais tarde se movendo. Portanto, a sequência é: (1) um sinal cerebral ocorre cerca de 550 milissegundos antes do movimento do dedo; (2) o sujeito tem consciência da sua decisão de mover o dedo cerca de 200 milissegundos antes do movimento de seu dedo; (3) o dedo da pessoa se move.

Agora vamos olhar para as suas três perguntas. No que diz respeito à sua primeira pergunta, não há consenso quanto à interpretação ou significado dos resultados de Libet. Na verdade, eles são um assunto de considerável controvérsia. Como você pode imaginar, alguns pensadores tomaram os resultados como fornecendo evidências a favor do determinismo e até mesmo materialismo. Tal inferência é exagerada. Em uma segunda série de experimentos, Libet descobriu que, mesmo após o sinal do cérebro disparar e as pessoas estarem cientes da sua decisão de apertar o botão, as pessoas ainda mantinham a capacidade de vetar a decisão e abster-se de apertar o botão! Então, como você nota em seu ponto (b), alguns intérpretes consideram o sinal do cérebro como um indicar de um "potencial de prontidão" para iniciar o movimento que o sujeito pode acabar fazendo ou não.1 O próprio Libet considerava seus resultados experimentais compatíveis com a existência do livre arbítrio. Curiosamente, Rosenberg, embora ele próprio um materialista e determinista, concorda que as experiências não provam que não há livre-arbítrio, mas apela a elas apenas para mostrar que não podemos confiar em introspecção para nos dizer se temos ou não livre-arbítrio.2

O ponto mais fundamental, no entanto, parece-me ser o seu ponto (a), que serve para responder à sua segunda pergunta. Ao contemplar os resultados de Libet, estes golpearam-me com força; isso é exatamente o que o dualista-interacionista esperaria. A alma (ou mente) não age independentemente do cérebro; em vez disso, como o neurologista ganhador do Prêmio Nobel, Sir John Eccles, disse, a mente utiliza o cérebro como um instrumento para pensar. Então, é claro, as decisões da alma não são simultâneas com a consciência delas. Como elas poderiam ser? Dada a dependência da alma sobre o cérebro como um instrumento do pensamento e da velocidade finita da transmissão de sinais neurais, é claro que há uma defasagem de tempo entre as decisões da mente e da consciência delas. No experimento de Libet, já que os processos neurais viajam a velocidades finitas, é claro que é preciso tempo para a decisão da mente chegar à consciência. Isto é exatamente o que devemos esperar em uma visão dualista-interacionista.

O filósofo alemão Uwe Meixner, ele mesmo um dualista-interacionista, friza precisamente este ponto sobre os experimentos de Libet. Ele escreve:

Para tomar uma decisão informada, o eu precisa estar consciente dos fatos relevantes para a decisão antes da tomada de decisão; mas [...] o eu certamente não precisa estar consciente de tomar a decisão ao mesmo tempo que faz [...] a consciência de um estado de coisas P (atualmente) sendo o caso é sempre um pouco mais tarde do que o fato real de P ser o caso; não é de surpreender que a consciência de tomar uma decisão não é exceção a esta regra geral, o que é devido à dependência da consciência na neurofisiologia.3

Até mesmo naturalistas entendem o ponto, embora às vezes seja expressado erroneamente. Por exemplo, o filósofo da biologia Massimo Pigliucci diz:

Os experimentos de Libet [...] demonstram [...] que tomamos decisões inconscientes [...] antes de tornar-nos conscientes de que as tomamos. Duvido que qualquer pessoa que tenha pego um objeto em queda antes de perceber o que estava fazendo ficaria surpreso, e eu duvido que alguém iria levar a sério esse tipo de experiência como prova de que [...] a consciência não entra [...] na tomada de decisão deliberativa (nem o próprio Libet, aliás).4

Da mesma forma, Rosenberg postula, "Talvez a verdadeira decisão de agir que ocorre inconscientemente realmente seja uma escolha livre”.5 Tais declarações, embora admitindo o ponto do dualista-interacionista, seriamente o expressa mal. A decisão da pessoa é mais enfaticamente não inconsciente; é uma decisão consciente, mas por causa da velocidade finita de sinais neurais é preciso tempo para que a pessoa se torne consciente dela. Assim como nós nunca vemos eventos presentes devido à velocidade finita da luz, mas apenas eventos um pouco no passado, de modo que não temos consciência das nossas decisões simultaneamente ao tomarmos, mas depois, sem ao menos notarmos. Se a alma tem a capacidade de decidir sem ser causalmente determinada, então, como diz Meixner, a fim de tomarmos decisões livres responsáveis, a alma só precisa estar consciente dos fatos relevantes para a decisão antes de tomar a decisão. Então, para responder à sua terceira pergunta, Raj: não há nenhuma razão aqui para recorrer a pontos de vista compatibilistas do livre-arbítrio, que perversamente tomam a liberdade como sendo compatível com o determinismo causal.

Por último, gostaria de dizer uma palavra sobre a defesa do naturalismo de Rosenberg, dadas as conclusões aparentemente absurdas a que ele chega, como a que nós nunca pensamos em nada, ou que eu não sobrevivo por dois momentos no tempo ou que eu nem sequer existo. Rosenberg tenta salvar seu ponto de vista do absurdo ao afirmar que a introspecção não é confiável e assim todas estas coisas são apenas ilusões. O título de seu capítulo é "Nunca Permita Sua Consciência Ser Seu Guia." Ele apela para os experimentos de Libet e os experimentos que demonstram o chamado daltonismo, em uma tentativa desesperada para invalidar todo o conhecimento adquirido através de introspecção. Os experimentos de Libet desempenham, portanto, um papel importante na sua defesa do naturalismo.

O problema com o ataque de Rosenberg sobre a introspecção é que a introspecção não se destina a ser um guia para estados cerebrais, mas para os estados mentais. Ela nos diz como as coisas parecem para alguém. Assim, em experiências de daltonismo a pessoa relata corretamente, por exemplo, que nada amarelo aparece para ela. Nos experimentos de Libet, a pessoa informa corretamente quando ela tem uma consciência de tomar a decisão de mover seu dedo. De fato, ironicamente, essas mesmas experiências na verdade pressupõem a confiabilidade da introspecção! Pois, como é que você sabe que a pessoa daltônica não tem experiência visual de amarelo? Porque ela diz pra você! Como você sabe que a pessoa tem vontade consciente de apertar o botão em vez de pensar em suas férias de verão? Porque ela diz pra você! Estas mesmas experiências na verdade pressupõem a veracidade dos relatórios introspectivos de alguém.

Portanto, a crítica de introspecção de Rosenberg é bastante falaciosa e todas as consequências absurdas de seu naturalismo caem em cima dele como resultado.



Notas:

1 Angus Menuge, por exemplo, escreve:

"Se você olhar para os experimentos de Libet de perto, havia uma decisão consciente anterior pelo sujeito instruído, em seguida um potencial de prontidão, então a consciência daquele potencial de prontidão, e, em seguida, um movimento. Então, ainda se pode dizer que uma decisão consciente distal foi a causa do movimento, mesmo que a causa proximal é o potencial de prontidão" (Angus Menuge, “Does Neuroscience Undermine Retributive Justice?” [A Ciência Mina a Justiça Retributiva?] emFree Will in Criminal Law and Procedure, ed. Friedrich Toepel, Pocedente do 23o. e 24o. Congresso Mundial IVR, Kraków 2007 e Beijing 2009 (Stuttgart: Franz Steiner Verlag 2010), pré-impresso).

2 Alex Rosenberg, The Atheist’s Guide to Reality: Enjoying Life without Illusions (New York: W. W. Norton, 2011), p. 154

3 Uwe Meixner, “New Perspectives for a Dualistic Conception of Mental Causation,” Journal of Consciousness Studies 15/1 (2008): 25.

4 Massimo Pigliucci , “Is Science All You Need?” (June 7, 2012) http://philpapers.org/rec/PIGISA

5 Rosenberg, Atheist’s Guide to Reality, p. 153.

- William Lane Craig